IMPORTUNAÇÃO SEXUAL: Reflexões sobre a aplicabilidade mitigada do Acordo de Não Persecução Penal.

Sabe-se que com o advento da Lei nº 13.964/2019, o chamado “Pacote Anticrime”, muitas alterações foram bem-vindas no Código de Processo Penal Brasileiro no intuito de se estabelecer uma Justiça negocial próxima ao plea bargaining do direito norte americano.

No caso, com a criação do Acordo de Não Persecução Penal estabelecido pelo art. 28-A do Código de Processo Penal, surgiu a possibilidade de que o Ministério Público ofereça ao acusado um acordo para que o caso investigado não se torne um processo penal desde que preenchidos alguns requisitos formais para a concessão e cumpridas algumas medidas de natureza cautelar pelo então beneficiado para assegurar que ele não volte à praticar crimes.

E a questão que tem causado controvérsia doutrinária seria da possibilidade de aplicação do referido benefício no crime de importunação sexual, previsto no art. 215-A do Código Penal, haja vista sua natureza de crime contra a dignidade sexual – que usualmente implica no emprego de violência, vedando a possibilidade de concessão.

Ocorre que de uma simples leitura do tipo penal, entende-se pela possibilidade de aplicação do referido benefício no crime de importunação sexual, eis que ainda assim é tido como crime comum – podendo ser cometido por qualquer pessoa e contra qualquer pessoa, independentemente do gênero e não necessariamente com o emprego de violência.

O tipo penal trata da prática de ato libidinoso contra alguém sem a sua anuência, ou seja, sem a concordância, no intento de satisfazer a própria lascívia e estabelecendo uma pena de 01 (um) a 05 (cinco) anos de reclusão.

Por mais que o cenário brasileiro seja trágico e coloque a figura das mulheres como principais vítimas de crimes desta natureza, ainda assim não se poderia vedar a aplicabilidade do benefício, eis que sua redação não o institui como um crime de gênero – esses sim vedados pelo inciso IV, do §2º, do art. 28-A.

Novamente, sabe-se que o tipo penal foi criado notoriamente para buscar punir os rotineiros ataques em transportes públicos sofridos por mulheres, mas ainda assim a redação do tipo penal não especifica tal delito como sendo crime de gênero ou contra a mulher em razão do sexo feminino.

Ainda sobre a redação do tipo penal, abre-se a reflexão para uma costumeira má-técnica legislativa que muitos tipos penais enfrentam no Brasil – tópico esse a ser abordado em uma futura ocasião.

Ponto outro contrário à aplicabilidade do benefício seria a suposta “violência psicológica” sob a qual o crime é praticado. Sabendo que o benefício não pode ser concedido no caso de crimes envolvendo o emprego de violência, tal argumento ganha força considerando que na grande maioria dos casos há uma certa intimidação por parte do agressor para com suas vítimas – configurando a chamada “violência moral”.

Sob tal raciocínio a importunação sexual seria sempre praticada sob violência moral ou psicológica, assim sendo interpretado como um crime praticado com o emprego de violência e consequentemente afastando a aplicabilidade do benefício.

Neste ponto, entendemos ser necessária uma análise pontual do caso para entender a viabilidade concessão do ANPP, haja vista que também não necessariamente toda a importunação sexual demande o emprego de tal violência moral ou psicológica.

Daí que se conclui por uma aplicabilidade mitigada, demandando uma análise caso à caso para entender se as circunstâncias do crime permitem ou não a aplicação do benefício e seus reflexos legais – não sendo um crime de gênero, portanto aplicável, mas podendo ser utilizado o emprego de violência moral, vedando a benesse.


MATHEUS HENRIQUE MENDONÇA

OAB/SC 63.407

Todos os direitos reservados 2023 | Criado por: Ads Rocketz

Scan the code